quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Droga da Obediência - Pedro Bandeira


Tá bom, o blog tava ficando cabeça demais... Hemingway, McEwan, Bradbury, tudo na sequência, assim os  2 leitores não aguentam... Então agora, para algo completamente diferente: a Coleção Karas (representada aqui pelo primeiro livro da saga de 5, já que provavelmente eu não vou escrever sobre cada um).

Pedro Bandeira (na minha opinião um dos grandes autores brasileiros de livros infanto-juvenis) já era conhecido, pelo menos entre os frequentadores de biblioteca e entre os professores de português que definiam as leituras de seus alunos, quando criou este livro. Conta a história de 5 jovens, que frequentam um colégio de classe alta em São Paulo, e que resolvem, de brincadeira, criar um grupo de detetives, sem no entanto ter nada sério para investigar. Até que jovens de vários colégios começam a desaparecer misteriosamente e o grupo de detetives que até então apenas brincava de reuniões e códigos secretos acaba se envolvendo na investigação.


Aos poucos, o plano maligno de um verdadeiro gênio do crime vai se desfraldando: os jovens estão sendo utilizados como cobaias para teste de uma nova droga, que torna as pessoas totalmente obedientes e sem vontade própria. Cabe agora aos Karas frustrar esses planos.

Adoro literatura infanto-juvenil. Admiro (alguns) clássicos das aulas de literatura, mas para mim ler deve ser, principalmente para as crianças, encarado como um hábito divertido para que elas se tornem de fato leitores, e aí sim explorem a literatura mais "difícil". Pode ser a maior obra da humanidade, mas dê Dom Casmurro (que por sinal, é muito insuportável) para uma criança de 9, 10 anos e você pode ter afastado alguém dos livros por toda uma vida.

E isso Pedro Bandeira fez muito bem. Com uma história interessante, divertida, que não trata as crianças como idiotas (o que não pode ser dito da maior parte da produção infantil atual), mas que passa ideias de companheirismo, coragem e liberdade, abordando temas "adultos" como controle de massas, livre arbítrio, sociedades manipuladas, e que não deixa a dever a nenhum Harry Potter ou Artemis Fowl (dois que eu adoro). Claro que tenho a coleção toda aqui, para quando minha filha estiver na idade...


Falando na coleção toda, Pedro Bandeira não deixa o ritmo cair nos demais livros. Tráfico de drogas no Pantanal, a II Guerra e o neonazismo, o impacto e a cura da AIDS, entre outros, são temas que ele aborda de maneira madura e interessante nas demais histórias dos Karas. Claro que parte dessa minha empolgação é saudosista (e claro que ao ler os últimos, por estar mais velho, não me empolguei tanto assim), mas continuo adorando a coleção, e recomendo fortemente para quem não leu na época, ou para os filhos que já estão crescendo.

E atire a primeira pedra quem leu os livros e nunca tentou usar código TENIS-POLAR para se comunicar....

Avaliação: ***** (5/5)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury


Não falei deles aqui ainda, mas adoro livros de "distopia futurista", ou seja, livros que mostram a "evolução" da nossa sociedade, mas com uma visão pessimista de como essa evolução aconteceria. Livros como Admirável Mundo Novo e 1984, nos quais a sociedade evoluiu, porém o custo dessa evolução é a perda de parte da liberdade, sob um conceito de "organização levando ao progresso", em geral sob ditaduras ou governos totalitários.

Assim, sempre quis ler esse Fahrenheit 451, escrito (visionariamente, eu diria, se a palavra existisse) por Ray Bradbury em 1953. Conta a história de um futuro onde os livros são banidos, e como a tecnologia anti-incêndio se tornou muito eficiente, os bombeiros passaram a ser os responsáveis não por apagar incêndios, mas sim por colocar fogo em livros (o título se refere à temperatura em que o papel pega fogo, supostamente). Nesta sociedade, desenvolveram-se grandes telas de televisão, onde personagens interagem com as pessoas, fazendo o papel de "famílias". O livro conta a história de Montag, um desses bombeiros, que após conhecer uma vizinha mais nova e "subversiva", que gosta de conversar e de contato com a natureza, começa a questionar sua atividade e a se perguntar o que os livros podem ter de tão perigoso a ponto de justificarem tamanha comoção.


O que me impressionou no livro foi, especialmente, a parte onde Bradbury descreve o processo que levou os livros a serem banidos. Não foi uma proibição "de cima para baixo"; não foi um decreto, e sim as pessoas passaram a se interessar cada vez menos por livros, e mais pelo entretenimento rápido e simples. Em vez de livros, passam a predominar resumos, e depois filmes. Além disso, com a população aumentando, criam-se cada vez mais minorias, e cada vez mais era difícil escrever sem que alguma delas se sentisse ofendida. Assim os livros foram se tornando, como diz o livro, "água de lavar louça". Alguma semelhança com a tentativa de "ajustar" a obra de Monteiro Lobato para ser lida nas escolas? Ou de culpar o jornal que publica charges de Maomé em vez dos fanáticos que explodem embaixadas por conta disso?

Não apenas é um livro muito bom, com um final belíssimo, mas também dá muito o que pensar, sobre o que fazemos com nossa liberdade, e sobre o que de fato é a evolução de uma sociedade. Espero sinceramente que continue sendo apenas ficção.

Avaliação: ***** (5/5)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Reparação (Atonement) - Ian McEwan


Por indicação de uma leitora do blog (obrigado, @laurutsa!), entrei nessa fase "literatura em língua inglesa". Impressionante o quanto eu estava defasado em vários livros muito bons, vácuo que estou tentando diminuir aos poucos (e aumentando o vácuo na conta bancária pra comprar tanto livro, mas aí é outro assunto). Esse foi o que deu origem à série. Confesso que tinha algum preconceito (puramente por desinformação) com livros-que-viraram-filmes-com-a-Keira-Knightley (achava que todos tinham sido escritos no século XIX por Jane Austen ou similares).

Filme inglês de época que se preze tem que ter a Kiera

Obviamente não é o caso aqui (até porque eu, ignorante, não sabia que o livro se passava na época da II Guerra e tinha sido escrito em 2001). A história não tem, a princípio, nada de mirabolante: em 1935, uma garota (Briony), com sonho de ser escritora, após presenciar um encontro de sua irmã com o filho do jardineiro, fantasia uma série de coisas e acaba por acusá-lo do estupro de uma prima. A partir daí, a vida de toda a família sofre uma virada brutal, acentuada pelo início da guerra.



A estrutura montada por Ian McEwan é um dos pontos notáveis. A história é dividida em 3 segmentos: o primeiro conta os acontecimentos que dão origem à história, o segundo é narrado por Robbie (o filho do jardineiro), durante uma retirada, já na Guerra, e o terceiro é narrado por Briony, que, buscando a tal reparação do título, se alista como enfermeira em Londres. O primeiro segmento passa um pouco lentamente, mas logo vem aquele sentimento de antecipação de tragédia, você fica esperando a resolução de todo o conflito, e... o final é absolutamente surpreendente, uma ode à literatura.




O curioso foi eu ter lido esse filme logo após Adeus às Armas. Coincidentemente, ambos retratam a fuga e o horror da guerra em um dado ponto da história. No entanto, as maneiras como cada um deles faz esse retrato são diametralmente opostas: Hemingway usa descrições diretas, diálogos rápidos e narração em primeira pessoa, dependendo mais da observação para entender os pensamentos e desejos das pessoas. Perfeito. Já McEwan faz justamente o contrário: explora profundamente as mentes de seus protagonistas, destrinchando cada pensamento e ainda assim conseguindo surpreender o leitor. Perfeito também. A passagem em que a mãe de Briony e Cecilia está deitada no quarto com enxaqueca, mas ainda assim sabe tudo (sabe mesmo?) que está se passando na casa a partir dos sons e silêncios é sublime.

Quem gosta de ler textos bem escritos deveria ler esse livro. Se possível, antes de ver o filme (não vi ainda, mas a experiência de ler sem saber o que vai acontecer é insubstituível nesse caso). O mais engraçado disso tudo é que quando comecei o blog, meu objetivo era fazer com que pelo menos uma pessoa viesse a ler algo que ainda não tinha lido ou que nunca teria pensado em ler. Mal sabia que essa pessoa seria eu mesmo.

Avaliação: **** (4/5)